No último dia 25 de janeiro foi aniversário não só de São Paulo, mas também do Tom Jobim. Eu nunca havia me dado conta de que ele fazia aniversário junto com a cidade e fiquei pensando na relação entre os dois. Foi aí que resgatei uma matéria que escrevi em 2008 para a extinta revista A Magazine sobre a relação entre São Paulo o ritmo “carioca” da Bossa Nova.
São Paulo Bossa Nova
A garota de Ipanema não é paulista, o Beco das Garrafas não ficava em São Paulo e o apartamento da Nara Leão não era na avenida Paulista. Os maiores símbolos da Bossa Nova são mesmo cariocas. E, de fato, foi na orla da capital do Rio de Janeiro que esse novo jeito de fazer música nasceu.
Porém, é preciso admitir que a Bossa também teve seu espaço em São Paulo, e deve à capital paulista um de seus maiores sucessos. Chega de Saudade, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, considerada a música que inaugurou a Bossa Nova, foi sumariamente ignorada pelos cariocas quando começou a tocar nas rádios. A salvação que os divulgadores encontraram foi correr para São Paulo, onde os executivos da Odeon tiveram de convencer os donos das Lojas Assumpção, na época a mais importante loja de discos da cidade, a apostar no cantor e compositor João Gilberto, que gravou a música em seu primeiro disco.
Foi um trabalho árduo, porque ele não gostou do que ouviu da primeira vez. Porém, o disco foi recordista de vendas em 1958. O programa “pick up do pica-pau”, apresentado por Walter Silva na rádio Bandeirantes, até lançou um concurso para que os ouvintes ligassem na rádio e cantassem a melodia, a letra ou a divisão da música para ganhar 10 LPs.
O sucesso da canção fez com que os paulistas começassem a olhar um pouco mais para a Bossa Nova. Tom Jobim, por exemplo, passou a apresentar um programa semanal na TV Paulista (canal 5), chamado O Bom Tom. Ao piano, ele apresentava algumas canções e recebia seus convidados.
A noite paulistana também começou a respirar o novo ritmo. Na região central da cidade, boates e bares faziam as vezes de praia de paulista, com noites regadas a bossa. As boates Cave, Baiúca, João Sebastião bar, Claridge e Farney’s recebiam nomes importantes da música brasileira como Johnny Alf, Vinicius de Moraes, Alaíde Costa, César mariano, Maysa, Elis Regina, Jair Rodrigues, entre outros.
Ruy Castro conta no livro “Chega de Saudade” que um dos points da Bossa Nova em São Paulo era um bar sem nome (que depois seria batizado de Sem Nome), que ficava no diretório acadêmico do Mackenzie. Era para lá que Manoel Carlos (na época produtor do programa Brasil 60) levava seus convidados, como Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Era como se fosse a extensão do programa de TV, já que eles acabavam cantando acompanhados pelo trio que se apresentava, formado por Luis Chaves, Pedrinho Mattar e Rubinho.
Se São Paulo não tinha o apartamento da Nara Leão, onde os meninos que faziam Bossa Nova se reuniam para tocar e cantar, havia algumas casas onde os encontros aconteciam. Walter Silva conta que era comum os artistas se reunirem na casa da família Zammataro, na Rua Joaquim Eugênio de Lima (perto da Avenida Paulista). Por lá, era comum encontrar Alaíde Costa,Claudette Soares, Ronaldo Bôscoli, Carlos Lyra e, de vez em quando, João Gilberto, que vez ou outra dormia por lá.
Não se pode esquecer da casa do historiador Sérgio Buarque de Holanda, na Rua Buri, no Pacaembu, onde a música e as visitas ilustres eram comuns. Vinicius de Moraes, amigo íntimo do historiador, era um dos que sempre passavam pelo casarão. Miúcha – que mais tarde se casou com João Gilberto – costumava tocar violão e cantar nessas reuniões, onde apareciam de músicos a intelectuais, em saraus que viravam a noite.
Circuito Universitário
Os estudantes tiveram uma participação fundamental na Bossa Nova Paulista. Os shows organizados por eles trouxeram para São Paulo nomes importantes da música brasileira na década de 1960 e transformaram o Teatro Paramount em um reduto bossa novista da cidade. Por trás de muitos desses shows estava o produtor Walter Silva (1933 – 2009), que tem um dos acervos mais completos de Bossa Nova, vendido para o Instituto Moreira Salles.
O remédio é Bossa, organizado pelos alunos da Escola Paulista de Medicina, foi o show que reuniu mais famosos no teatro Paramount. Subiram ao palco Os Cariocas, Carlos Lyra, Paulinho Nogueira, Jair Rodrigues, Zimbo Trio, Vinicius de Moraes, Tom Jobim, Copa Trio, Elis Regina, Oscar Castro Neves, Quarteto em Cy entre outros. Tom foi homenageado pelo público com uma chuva de rosas (distribuídas por uma floricultura na portaria do teatro) e, em retribuição, lançou nesta apresentação a música Só tinha de ser com você, parceria com Aloysio de Oliveira.
Outro show importante foi o Fino da Bossa, organizado pelo centro acadêmico da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, que reuniu Alaíde Costa, Zimbo Trio, Paulinho Nogueira, Ana Lúcia, Rosinha de Valença, Jorge Ben, Wanda Sá, Nara Leão e Oscar Castro Neves. Mais tarde, esse show emprestaria o nome para o programa de televisão apresentado por Elis Regina e Jair Rodrigues, dupla que fez história na música brasileira, mas se distanciou da Bossa Nova e enveredou pelo caminho do que, mais tarde, seria chamado de MPB.