Folia de Reis

Hoje, 6 de Janeiro, é dia de Reis ou, dia de desmontar a árvore de Natal. Eu nem tenho árvore de Natal, mas tenho uma queda por festas populares. O Dia de Reis é uma celebração cristã que lembra a visita dos 3 reis magos ao recém nascido Jesus Cristo. Láaaa em 2007, pude acompanhar a chegada da Companhia  de Reis Irmãos Costa em uma casa de devotos em Franca (SP). 

Eu e o fotógrafo Divaldo Moreira acompanhamos desde a saída, bem cedinho, até o final da celebração, com a reza do terço e o tão esperado almoço. Já são 15 anos dessa matéria, então as lembranças são um pouco confusas. O texto publicado no jornal Comércio da Franca me fez relembrar muitas coisas: a afinação dos instrumentos, a bandeira carregada de símbolos, o pedido de licença pra entrar na casa, o cortejo até o presépio, o terço.

Por mais que eu não tenha essa ligação de fé, respeito demais essas tradições populares ligadas à religião. É até engraçado isso, mas sinto que essas tradições carregadas de fé é que trazem sentido às religiões e às celebrações. E para aqueles que não são devotos, como eu, ficam a beleza e o encantamento de uma cultura popular.

Então, viva Santos Reis!

Na sequência, reproduzo o artigo publicado no Jornal Comércio da Franca em 2007.

Na parede de uma casa simples, da Vila São Sebastião, o que não falta são imagens de santos. Nossa Senhora Aparecida, São Jorge, Santa Rita, Santa Luzia, São Cosme e Damião, Santo Antônio, Cristo Crucificado e o Espírito Santo dividem a parede da sala com uma foto do time do São Paulo, única referência a algo não sagrado naquele cenário.

Ocupando o espaço retangular da sala, mais de 20 foliões da Companhia de Reis Irmãos Costa se ajeitam em volta do presépio para começar a tocar. Eles estão se preparando para a “chegada” em uma chácara da cidade. Louvam o nascimento de Cristo, beijam a bandeira da companhia e tomam um farto café da manhã. De lá, sobem no ônibus rumo à chácara Santos Reis, no bairro Santa Cruz.

Comandada por Divino Costa, 65, a Irmãos Costa é uma das mais tradicionais Folias de Reis de Franca. Completará, em 2007, 54 anos de história. No último sábado, 6, Dia de Santos Reis, os foliões saíram debaixo de chuva para fazer o que mais gostam, visitar uma família da cidade que é devota dos três reis magos. Na chácara de Olavo e Terezinha Cassimiro, foram recebidos por muitos convidados, alguns vindos de outras cidades, e com um farto almoço.

Todos uniformizados e carregando instrumentos cheios de fitas e flores coloridas, os foliões cantam e tocam sem parar. As letras são sempre de louvação ao menino Jesus que acabou de nascer e são acompanhadas pelo som da caixa, sanfona, pandeiros, violas e violões. A bandeira, símbolo maior de uma Companhia, onde as pessoas colocam fotos, imagens e referências às graças alcançadas, está sempre à frente e precisa ser respeitada.

As Folias de Reis surgiram em Portugal e são uma manifestação típica do Natal, principalmente em cidades do interior. A “festa popular” representa uma história bíblica que muitas vezes passa despercebida. No evangelho de Mateus está escrito que os três reis santos – Belchior, Baltazar e Gaspar – saíram do Oriente para encontrar o menino Jesus quando souberam de seu nascimento, levando-lhe de presente ouro, incenso e mirra. É a trajetória dessas figuras bíblicas, guiadas pela Estrela de Belém, que as Folias de Reis representam.

Tradicionalmente, as Folias deveriam sair em peregrinação no dia 25 de dezembro e só parar no dia 6 de janeiro. Mas como os foliões trabalham e muitas famílias vão viajar, essas datas não são respeitadas, o que não diminui a fé de quem participa ou recebe uma folia.

Por volta das 11 horas, depois de cantar e tomar café na Vila São Sebastião, a Folia Irmãos Costa chegou na chácara Santos Reis, na Santa Cruz. O nome já diz tudo: casa de devotos.

Debaixo de chuva, os foliões desceram do ônibus, afinaram os instrumentos, organizaram o cortejo e foram chegando. Na porta, Olavo e Terezinha esperavam ansiosos. O bandeireiro entregou a bandeira aos donos da casa ainda no portão e, cantando, pediram licença para entrar. Essa entrada é lenta, embalada ao som de muita louvação e também pela dança dos palhaços, figuras importantes e de grande destaque dentro de uma Folia de Reis. Com roupas coloridas e mascarados, representam os soldados de Herodes, o rei que mandou matar todas as crianças de Belém na esperança de que o Menino Jesus, tido como o Salvador, estivesse entre elas. Segundo seu Divino, a roupa do palhaço sempre tem vermelho para representar o sangue das crianças que foram mortas. A máscara também é importante porque é ela que representa o rei Herodes, e não a pessoa que está “fantasiada”.

Durante o cortejo da Folia, os palhaços dançam e gritam. São uma atração à parte, principalmente para as crianças. Em um determinado momento, eles procuram o dinheiro que os donos da casa esconderam em um arco enfeitado e também no alto de um pau de sebo.

A essa altura, chega a hora de desfazer um cruzeiro de flores colocado no chão, que representa a crucificação de Cristo. Márcio Costa, filho de seu Divino e um dos palhaços, tira a máscara, se ajoelha e narra a passagem da crucificação. O cruzeiro é desfeito e o cortejo segue, para que a bandeira seja colocada no presépio da casa. Chega então o momento do terço, quando todos os presentes fazem seus agradecimentos pelo ano que passou e pedidos para o que entra. Depois, é só festejar desfrutando do almoço preparado pela família dona da casa.

Graças

A Folia de Reis não é somente uma manifestação popular. Quem dela participa é porque é devoto, tem fé, acredita no poder “milagreiro” de Baltazar, Belchior e Gaspar. Não são poucas as histórias de graças alcançadas.

Olavo e Terezinha, por exemplo, recebem a Folia em sua casa há cerca de seis anos, desde que ela foi curada de um câncer maligno no intestino, segundo o casal, por intercessão de Santos Reis. “Para mim é uma alegria muito grande receber a Folia de Reis na minha casa. Durante o ano inteiro, não vejo a hora de chegar esse dia”, diz Terezinha. Criados no interior, os dois já tinham o exemplo da devoção dentro de casa, quando os pais serviam almoços e jantares para foliões.

Mas histórias de milagres não faltam no repertório de seu Divino. A começar pela sua esposa, Lázara, que, segundo ele, foi desenganada pelos médicos por causa de um problema nos rins. “Eu saí do hospital e ela estava morta, gelada. Quando voltei no dia seguinte, já estava no quarto, tomando banho. Isso me comove muito”, conta com lágrimas nos olhos.

Outra história que o emociona é a da criança que foi curada bem no momento em que a companhia fazia uma oração pedindo a intercessão dos três reis por ela. “A gente estava na casa da mãe dessa criança, que é uma conhecida nossa. Aí fizemos o pedido. Depois, quando a família foi ao hospital, o menino já estava bem. Segundo a enfermeira, o soro desligou sozinho e foi bem na hora em que estávamos rezando. Dois dias depois, o menino estava em casa. Temos certeza que foi pelo poder dos Santos Reis”.

Histórias de fé como essas, ninguém explica. Mas o respeito conquistado por seu Divino ao longo dos anos, a ponto das pessoas não começarem a comer sem sua autorização, é algo que tem explicação. Para ele, estar em uma Folia de Reis é mais do que cumprir promessas ou participar de confraternização. É um ato de pura fé, de crença nos santos reis. Até porque ele não tem nenhuma recompensa material com isso. 

Como fez a vida toda, seu Divino continua trabalhando como mestre de obras, mesmo depois de aposentado, e não pretende parar tão cedo. Além disso, todo o dinheiro que é arrecadado nas visitas fica para a Folia de Reis usar na festa de encerramento das atividades, que será no dia 11 de fevereiro. Segundo seu Divino, os santos reis são vingativos. “Há histórias de pessoas que usaram o dinheiro em benefício próprio e hoje não têm uma camisa para vestir”, conta. “Eu sou católico e acredito muito nos santos reis. Faço isso com orgulho e carinho. É uma tradição que tem 53 anos e que vou levar comigo até o último suspiro”, finaliza.