A sustentabilidade diária precisa ser possível na vida de cada um

Marina Sierra Camargo, sócia-fundadora da Planta Feliz Adubo, previu que sua filha, Valentina, só usaria fralda de pano quando nascesse. A menina nasceu quando ela e o marido já moravam em um sítio e, na época, o plano de não usar fralda descartável se mostrou inviável. Olhando hoje para a situação, ela diz que esse fato fez com que se transformasse de “ecochata” em “ativista leve”. 

“Essa mudança tem muito a ver com a maternidade, uma área onde há muito julgamento, assim como nas questões ambientais. Eu previ que a Valentina só usaria fralda de pano, mas não deu porque eu saía do sítio 5h da manhã e voltava  às 23h. Seria uma atitude legal, mas nem sempre dá pra fazer tudo de uma vez. A maternidade fez com que eu mudasse essa chavinha. Hoje, não julgo e não critico ninguém que não tenha o mesmo ideal”, conta. 

O que Marina fez é o que chamo de ter uma “vida que se sustenta”, ou seja, possível dentro da sua realidade. Porém, sempre de olho em aprimorá-la.

Trouxe essa história pra falar um pouco de como a sustentabilidade é importante, mas nem sempre é tão simples quanto se pregam os discursos de mudança. Ser sustentável é uma obrigação de cada um de nós, mas tem que caber na vida que a gente leva. E por mais que se possa achar que o sistema está errado, que tudo precisa mudar, é preciso olhar para as complexidades que compõem o cenário da vida humana. Marina precisava trabalhar em um horário extremamente puxado. Pra isso, abriu mão da fralda de pano em boa parte do dia em nome da praticidade. Tá errada? Não. 

Pra não ficar falando apenas dos outros, eu não consigo separar lixo na minha casa, uma das coisas mais básicas quando se fala em descarte. Sem coleta seletiva na porta, preciso me organizar pra levar esse resíduo até algum lugar. Como não dirijo, preciso me organizar pra ir a pé e isso dificulta ainda mais o processo. E aí, o que fazer? Não me isento da responsabilidade que me cabe e admito que estou falhando, mas procuro fazer uma série de outras coisas que são possíveis, como evitar plásticos descartáveis, usar as coisas o máximo de tempo possível e, o que acho mais relevante, consumir menos. 

COMO MUDAR

A maioria dos comportamentos sustentáveis vêm com necessidades de mudanças na rotina. Reaproveitar a água da máquina de lavar roupa pra limpar o quintal, por exemplo, exige planejar o dia de lavar a roupa e lavar o quintal (que na minha casa, normalmente, não são o mesmo). 

Usar produtos de limpeza mais sustentáveis, que não levam substâncias químicas e por isso não poluem, exige gastar mais dinheiro (porque são mais caros) ou então fazer os próprios produtos de forma caseira. Eu já testei a primeira opção e, confesso, não gostei. Achei que não tem a mesma performance. Fico pensando que pode ser uma impressão de quem está acostumada aos produtos industrializados. Mas sabe quando a gordura não sai do chão? Então, fiquei com essa sensação. 

Sobre a segunda opção – fazer os os próprios produtos em casa – ainda não tive coragem de testar. É uma dessas coisas que vai me dar mais um trabalho em uma vida que já está cheia de coisas pra fazer. 

Talvez, mudar essa chave não seja fácil, principalmente por conta dos conceitos e valores que já estão arraigados. Mudar exige esforço e o nosso cérebro gosta de facilidade porque precisa guardar energia para a sobrevivência. 

No fim, acho que a melhor estratégia para essa “vida que se sustenta” é a mesma que os coaches e mentores de saúde recomendam para ter um estilo de vida saudável: ir aos poucos. Subir degrau por degrau pode ser mais eficiente. Até porque, ao perceber as conquistas, fica mais fácil – e motivador – buscar ir além. Que tal usar fralda de pano em um alguns horários, ver como isso funciona e como será possível encaixar no dia a dia? Ou então separar uma parte do lixo mais leve e levar a pé até um posto de coleta e ir aumentando esse volume aos poucos?

É verdade que o mundo está em emergência climática – e que nossos hábitos domésticos fazem parte desse combo. O cuidado com a natureza – sempre pensando em natureza como um todo, não apenas como plantas e florestas – não pode ser responsabilidade de ambientalistas, mas de todos.

O ponto é que o modo de vida estabelecido nos coloca em uma posição “confortável” de ter quem supostamente faça algumas coisas: recolher e dar um destino para o lixo, por exemplo. Isso tira a nossa conexão com o mundo como ele é e, nesse caso específico, com o sentido prático da “vida que se sustenta”. Porque, no fim, ela não se sustenta com tanta fralda no lixo e tanto resíduo indo para aterros. 

“Afinal, o que vem a ser a crise ambiental senão uma crise do modo como vivemos? O grande problema nada mais é do que a soma das inúmeras pequenas decisões do nosso dia a dia, a maioria tomada por nós e o resto delas de responsabilidade de outros em nome dos nossos desejos e necessidades. Se a crise ambiental é, em última instância, uma crise de caráter, como disse o escritor Wendell Berry ainda nos anos 1970, então cedo ou tarde ela terá que ser enfrentada nesse nível – ou seja em casa nos nossos quintais nas nossas cozinhas e mentes”.

Essa é uma frase do livro Cozinhar, de Michael Pollan, que fala de comida em um espectro muito amplo e sem deixar de lado nuances e contradições que são inerente à vida humana.