Entrevista publicada na Revista do Tatuapé n° 116, Abril/2016
No filme De onde eu te vejo, Denise Fraga praticamente contracena com a cidade de São Paulo, lugar que ela escolheu para viver há 24 anos. Nesta entrevista, a atriz fala sobre sua relação com essa cidade, com o humor, a tecnologia e a arte
“O que move as pessoas pelo mundo é o amor ou o trabalho. No meu caso, o trabalho impulsionou a mudança e o amor me fez fixar residência”. É assim que a atriz Denise Fraga, 51, resume sua mudança do Rio de Janeiro para São Paulo, há 24 anos. Ela veio para fazer a temporada paulistana do espetáculo Trair e coçar é só começar. Começou ficando em hotel, apenas no fim de semana, mas se apaixonou pela cidade e também pelo atual marido, o diretor Luiz Villaça, com quem está casada há 20 anos. Aí, a combinação amor e trabalho fez com que São Paulo ganhasse mais uma moradora apaixonada.
Agora, essa São Paulo tão querida praticamente contracena com Denise no filme De onde eu te vejo, que estreou neste mês. No longa, ela e Domingos Montagner formam um casal que se separa depois de 20 anos e um passa a morar em frente ao outro, janela com janela. Eles tentam resgatar a relação e percorrem São Paulo em busca de lugares especiais que os ajudem a reconstruir os bons momentos que passaram. Mas descobrem que, assim como aconteceu com eles, algumas coisas continuam as mesmas e outras já não existem mais. “É muito bonita essa analogia que tem no roteiro, do que acontece com esse casamento em meio a essa cidade que nunca para de mudar, que sempre, um dia após o outro, vai criando diferenças”.
Qual a sua relação com São Paulo?
Sabe que outro dia eu cometi a gafe de dizer para uma pessoa: “quando eu era carioca…”. Adoro o Rio, acho que é uma cidade maravilhosa, incrível, mas tive uma identificação muito grande com São Paulo. Vim por causa do trabalho, na época em que estava fazendo o Trair e Coçar, e me apaixonei. Primeiro, pela cidade e, depois, pelo Luiz, que com certeza me fez ficar aqui. A princípio, São Paulo é um caos, uma cidade que assusta, mas aí você vai descobrindo os lugares, os prazeres escondidos.
O que mais te incomoda em São Paulo?
Esse trânsito caótico. Eu gostaria de ter uma cidade com um transporte público melhor. Pra cidade que é, acho que a gente merecia uma investida muito radical em mobilidade. É uma cidade que cresceu desordenadamente, que se deixou chegar aonde chegou, e é uma pena. Outra coisa que me incomoda profundamente em São Paulo é o não uso dos rios. Eles poderiam ter sido aproveitados em vários sentidos e foram ignorados.
E o que mais te encanta?
A pluralidade cultural. É uma cidade onde as coisas acontecem, onde gente vive de tudo que é jeito. Você vai em uma sessão de cinema às 15h e tem público. Você encontra gente jogando sinuca na quarta-feira a tarde, ao mesmo tempo em que encontra uma pessoa trabalhando às duas horas da manhã. Essa riqueza múltipla é muito interessante.
São Paulo tem espaço para o bom humor?
Tem que ter. Eu me arriscaria a dizer que é a única maneira de viver aqui, senão você vira um estressado no trânsito.
Você é uma estressada no trânsito?
Não, porque eu raramente dirijo. Ando mais de táxi e uma das coisas que eu gosto de fazer é ficar olhando pela janela do táxi. Fico lá, com o pensamento solto, vendo a rua. O problema é que agora essa porcaria de celular está me roubando esse tempo, que era muito bem aproveitado enquanto eu olhava pela janela. Era quando eu conseguia um descanso para a minha alma, para os meus olhos. Mas coloquei uma lei pra mim: se eu não tenho que resolver algo muito urgente, não pego mais o celular de bobeira no táxi. É um exercício. Eu falo para ele (o celular): ‘você está me roubando algo que eu adorava fazer’.
Como o celular rouba o seu tempo?
O celular rouba o tempo de tudo. Esse WhatsApp é um inferno que nos aconteceu, mas ao mesmo tempo é uma coisa sensacional. É um inferno porque você tem um monte de coisas pra responder que você não teria, eu acho. Costumo dizer que, hoje, somos funcionários de nós mesmos. A gente tem um trabalho infinito separando foto, mandando foto, respondendo mensagem e, às vezes, metade dessas coisas a gente não precisaria fazer. É claro que muitas te dão um deleite danado, como se corresponder com um amigo querido, mandar pra ele uma foto de onde você está. Mas, ao mesmo tempo, isso te tira tempo de leitura, por exemplo. Eu vejo amigos meus que liam vorazmente e agora ficam com esse negócio na mão, sem ler um livro. É claro que você pode ler um livro pelo celular, mas eu sinto que as pessoas estão lendo mais coisas fragmentadas. Leem uma página de notícia, uma pesquisa, assistem a um vídeo. Desse jeito você pode passar o dia lendo, mas nunca vai ser levado para o campo dos sonhos, que é o que a leitura te faz.Você usa o celular para trabalhar ou para navegar nas redes sociais?
Eu não sou muito das redes. Aliás, minha promessa de Ano Novo foi entrar na rede. Então, agora eu tenho Instagram e Facebook, que é muito mais usado para as minhas coisas de trabalho. No Instagram eu posto algumas coisas mais pessoais. O que eu acho bonito no Instagram é você olhar o que o outro está vendo. É interessante ver por onde caminham os olhos do outro. Eu posto sempre coisas que eu vi e acho interessante propagar. E no Facebook eu tenho escrito algumas coisas, feito umas legendinhas. Tenho gostado dessa história de escrever.
Você escreve colunas para a Folha de S.Paulo e para a Revista Crescer. Sente que isso te expõe mais?
Sem dúvida. Uma das coisas que mais me fascina na minha profissão é poder me esconder, então eu não gosto de ficar com esse vitrine de opinião na crônica. O que acho legal é expor por onde caminha um pensamento. É uma reflexão.
E de onde vem o material para essas reflexões?
Na maioria das vezes vem de coisas banais, cotidianas. Isso eu já fazia antes de escrever. Por isso, aliás, eu topei escrever. Sempre gostei de uma história que me faz pensar. Quando assistia a um filme ou acontecia alguma coisa na família, eu ficava ali, fazendo aquela análise por um tempo.
As relações humanas são a matéria-prima para você criar histórias e personagens?
Sim. Adoro a frase “nada do que é humano me surpreende”. Acho que a vida sempre supera tanto a arte, que o que temos a fazer é, com a nossa arte, tentar decifrá-la. Sempre me sinto assim no teatro. Uma imagem que gosto de pensar antes de entrar em cena é como se eu carregasse um espelho imenso na mão, fosse para a beira do palco, mostrasse esse espelho para a plateia e falasse: “olha como nós somos ridículos, como a gente se apoquenta com pouco, como a gente poderia ser melhor. Mas olha como é bonito essa matéria, o humano”. Eu sempre espero que ao final de um espetáculo, um filme ou um programa de TV as pessoas possam refletir. Porque eu acredito no poder de transformação da arte.
Você ficou seis anos em cartaz com Trair e Coçar é só Começar. Não enjoa?
Uma temporada de teatro, para mim, vira uma obsessão pela perfeição. E é isso que me mantém em cartaz. Sei que a perfeição nunca será atingida, mas quero burilar aquilo ao extremo. Então, não enjoei de fazer o Trair e Coçar porque o tempo inteiro eu estava fazendo um jogo de erro e acerto. E quem me dirigia era a risada da plateia. Isso foi uma escola muito boa, de perceber quando a piada dá certo, quando é preciso dar um tempo. Não existe uma receita, mas aprendi muito a respeito do timing cômico porque pude experimentar.
Você gosta de fazer humor?
Gosto. E, olha, com o tempo, você fica obcecado pelo som da risada. Hoje minha risada preferida é a risada “pior que é”, que é a risada interrompida, aquela que faz você pensar: “nossa, isso não é tão engraçado assim”. Aquela que faz a pessoa rir junto com a emoção ou com o susto. O humor é um veículo muito poderoso, ele faz você entender muita coisa. Quando acrescenta humor e ironia você recruta a inteligência do sujeito e aquilo é muito assimilado.